Talvez essa seja a primeira vez que você ouça falar em
transplantar fezes, mas cientistas estão usando esse aparentemente
estranho recurso cada vez mais. Hoje, as possibilidades relacionadas à
técnica vão de alívio de sintomas de doenças intestinais até a ajuda no
combate à obesidade. Batizado oficialmente de transplante de microbiota
fecal, o procedimento tem a intenção de repovoar o intestino de pessoas
doentes com os micro-organismos presentes no organismo de pessoas
saudáveis. As fezes são diluídas e então transplantadas.
A
técnica é relativamente recente, com o primeiro estudo mais completo
publicado em 2013. Desde então, o transplante se tornou uma forma de
terapia reconhecida para casos persistentes de infecção por Clostridium
difficile. A bactéria, segundo o Serviço Nacional de Saúde britânico, é
encontrada em 1 a cada 30 adultos, e, na maior parte das vezes, é
inofensiva e integra normalmente a microbiota das pessoas.
Em
alguns casos –normalmente em pessoas mais velhas que tomam
antibióticos–, a C. difficile causa infecção, com sintomas como
diarreia, dores abdominais e pode até requerer cirurgia para retirada de
partes feridas do intestino. Com o sucesso do transplante para esse
tipo de infecção, os cientistas começaram a estudar o impacto da
microbiota fecal em outras doenças.
"Somos mais
bactérias do que humanos", resume Henrique Fillmann, presidente da
Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), ao falar sobre a
quantidade de micro-organismos no nosso corpo e sua importância no
funcionamento equilibrado do corpo. A doença de Crohn é um das
enfermidades que está no horizonte do transplante de fezes como
potencial alvo.
Gisele Martins, 31, conta que
perdeu toda a vida social e teve que parar de trabalhar por conta da
doença. Foi somente após o transplante de fezes, em 2015, que seus
sintomas começaram a melhorar. "Não adianta a pessoa fazer um
transplante fecal se ela não tem uma alimentação saudável, só coloca
porcaria para dentro", diz.
Mas médicos ouvidos
pela Folha ressaltam que os estudos sobre doença de Crohn apresentam
resultados diversos e que, para essa patologia, o transplante de fezes
não pode ser considerado, pelo menos por enquanto, como uma terapia
efetiva. "O grande negócio que estão estudando e que realmente pode
fazer muita diferença é no tratamento da obesidade", diz Fillmann.
Estudos apontam que uma dieta irregular seleciona "bactérias ruins", que
ajudam o intestino a aproveitar melhor as calorias e, dessa forma, a
perpetuar a obesidade.
É aí que o transplante
de fezes poderia entrar, repovoando o intestino de pessoas obesas com a
microbiota de pessoas saudáveis. "Não é que o transplante vá emagrecer a
pessoa. Ele tornaria mais eficiente o tratamento da obesidade", diz
Fillmann. Mikaell Faria, cientista da Kaiser Clínica, em São José do Rio
Preto, e membro da SBCP, é um dos responsáveis por uma pesquisa,
iniciada em 2017, para entender a relação entre a microbiota e o
emagrecimento de pacientes pós-cirurgia bariátrica.
"A ideia é ver se, ao mudar a microbiota [com o transplante], o paciente perderia mais peso", diz Faria.
Para
evitar riscos e não interferir no resultado da bariátrica, além dos
cuidados habituais da técnica –como análises de possíveis infecções e do
estado de saúde do doador– o coloproctologista afirma que, antes de
realizarem o transplante, esperam a recuperação total da cirurgia. Em
estágio inicial, a pesquisa tem dez pacientes. Leia mais AQUI.
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